Fitas cassete e o saudoso perrengue que era ouvir rock no mundo pré-internet
Quem assim como eu nasceu no final dos anos 70 ou ao longo da década seguinte, foi criança no mundo de nossos pais e adulto no mundo de nossos filhos. Pertencemos à geração que pegou a mais brusca transição cultural da humanidade: o surgimento da internet.
Com isso, temos gente que mal passou dos 40 (ou que ainda nem chegou lá), mas já soa como um boomer saudosista com o dobro dessa idade. Tudo a gente enche a boca para dizer que no nosso tempo era melhor, que nossa infância foi raiz, e que a de todos que nasceram depois é nutella.
Eu estaria mentindo se dissesse que não sou assim também, mas só com certas coisas, como a relação que se tinha com a música. Ouvir música era puro sofrimento e escassez, mas, até por isso, era muito romântico. Muito mais do que em tempos em que você tem todas as músicas do mundo ao seu dispor no celular. É como se o Spotify fosse um Tinder onde todas as músicas do mundo querem te comer.
Admirável mundo novo
No comecinho da década de 90 as únicas coisas que eu ouvia era Michael Jackson e “Step By Step”, do New Kids on the Block. Tudo mudou quando meu irmão, já pré-adolescente, conseguiu (sabe-se lá de onde) uma fita K7 pirata do Guns N’ Roses. Ele simplesmente pirou: começou a ouvir o tempo todo e mostrar para os garotos da rua, que logo passaram a curtir — e eu também.
Embora àquela altura, o rock já existisse há décadas, para nós, moleques do interior do Rio de Janeiro, era uma novidade empolgante. Ramones, Nirvana, Metallica, Black Sabbath, Red Hot Chili Peppers… descobrir uma nova banda era como descobrir um novo continente! Todos estávamos sedentos por mais. E é aí é que começava o problema.
Muito antes do Spotify, iPod e Napster, a única forma de consumir música era ouvindo nas rádios ou comprando vinil. As rádios no interior raramente tocavam rock, e discos eram caros em tempos de sucessivas crises econômicas e inflação nas alturas. Sem contar que no interior loja de vinil dava para contar nos dedos, e as poucas que existiam não tinham diversidade.
Por sorte, meu irmão conseguia um disco ou outro emprestado na escola, de bandas como Iron Maiden e Black Sabbath. Sem contar que tinha um garoto na rua, mais classe média que nós, que tinha uma coleção de coisas como Metallica e Ozzy Osbourne. O nome dele também era André, mas não Garcia. O problema é que ele era filho único, e, como tal, nunca dividia (ou emprestava) nada com ninguém.
Como as fitas cassete salvaram os anos 90
Eis que, então, surgia para salvar o dia nessa história a boa e velha fita cassete! Não era a melhor forma de ouvir música, mas era a mais barata — e versátil também, já que, ao contrário do vinil, te permitia gravar suas próprias músicas.
Com muita insistência e jogo de cintura, meu irmão conseguia, vez ou outra, fazer com que André não-Garcia copiasse álbuns como “Master of Puppets” (Metallica) e “Tribute to Randy Rhoads” (Ozzy Osbourne), em cassete para ele. Aquelas fitas rodavam pela rua: cada dia tinha uma fita diferente na casa de alguém diferente. E assim ia até que elas estragassem. Àquela altura, Michael Jackson e New Kids on the Block já eram um passado constrangedor; o que eu queria era ouvir Nirvana e Iron Maiden.
Não demorou para que o nosso desejo pelo rock se tornasse grande demais para o restrito acesso que tínhamos. Nem acesso à MTV a gente tinha, porque ela mal chegou no Brasil e já virou canal por assinatura (na época coisa de rico). Rádio no interior do Rio que tocasse rock tinha só a Cidade. Disco a gente não tinha dinheiro para comprar (muitos nem toca-disco em casa tinham). E é aí que, novamente, o cassete entra nessa história.
Fitas cassete — a pokébola musical
Meu irmão ganhou um micro system que ficava sempre ligado na Rádio Cidade com uma fita virgem (ou não!) preparada, com os botões rec e pause pressionados. Se começasse a tocar uma música que a gente curtisse, era só soltar o botão pause para gravar. Dessa forma, se tornava possível para nós ouvir a música que a gente quisesse na hora que a quisesse! E onde a gente quisesse também, com nossas imitações baratas do Walkman, da Sony.
Aquilo era como um garimpo, e nos tomava horas, mas valia a pena. Conseguir gravar algo que a gente adorava, mas quase nunca ouvia, porque raramente tocava nas rádios — como Ramones ou Kiss —… era de pular de alegria! Era como jogar Pokémon na vida real! E, como o micro system era duplo deck, podíamos ainda copiar fitas ou músicas de uma para outra, o que nos permitia o luxo de fazer nossas próprias coletâneas e fornecer cópias para os amigos.
Aquele período foi o ponto alto do cassete na minha vida, só que não durou muito. Com o boom do poder aquisitivo do plano real e o surgimento dos CDs, a coisa mudou. Quando surgiram os computadores pessoais e a internet, então, nem se fala. Mas isso já é assunto para outro texto!
O fato é que as fitas cassete estão bebendo hidromel ao lado de Odin por toda a eternidade na Valhala das tecnologias guerreiras, que lutaram bravamente no campo de batalha da modernidade.