Uma reflexão sobre o conservadorismo artístico e a rejeição a tudo que for progresso
Quando se trata de conservadorismo, muito se fala no âmbito político e de costumes da palavra, mas não se fala o bastante de seu âmbito artístico. Isso é algo antigo (muito mais antigo do que eu e você), mas é algo ao qual só me atentei bem recentemente. Na semana passada, para ser mais exato.
Com o surgimento do ChatGPT no final de 2022, no começo de 2023 inteligência artificial se tornou o assunto do momento. Tardiamente, até, em fevereiro comecei a experimentar com aquilo em busca de como poderia incorporar ao meu trabalho como jornalista e redator. Percebi que era perfeitamente possível (e fácil, até) fazer com que produzisse textos completos, mas não gostava do resultado. O ChatGPT tem um jeito de escrever, algo como um sotaque, que não curto.
Minha ideia sempre foi me desenvolver e promover como escritor. Portanto, usar a inteligência artificial para escrever por mim (como muitos faziam) poderia até me render mais dinheiro com menos esforço, mas seria um desserviço a mim mesmo e minhas ambições. Preferi usar inteligência artificial como ferramenta para me ajudar com tradução, fazendo a parte mais braçal e trabalhosa, aí sim, por mim.
Inteligência artificial x burrice natural
Tradução freelancer é uma coisa que já fiz, mas nem faço mais. Agora as vagas todas proibem categoricamente o uso da IA. Me sinto como um maceneiro sendo impedido de usar ferramentas elétricas. Claro, desaprovo quem simplesmente joga o texto no ChatGPT e cola para o contratante. Mas, se existe uma ferramenta que ME AUXILIA a fazer o trabalho melhor, em menos tempo e com menos esforço… por que diabos deixar de usar? Para que fazer um trabalho pior, mais demorado e com mais esforço na unha?
Sempre que uso IA, para traduzir ou escrever, eu a uso para trabalhar PARA MIM, não POR MIM. Um exemplo foi uma série de matérias onde botei o ChatGPT para “imaginar” como teria sido a carreira de nomes como Kurt Cobain, Cliff Burton e Randy Rhoads se não tivessem morrido. Fiz também uma série nacional, com nomes como Mamonas Assassinas, Cazuza e Renato Russo.
No começo do ano, quando as inteligências artificiais se ramificaram nas mas diversas áreas, entre elas geração de imagens, eu fiz umas experiências com o DALL-E. Odiei todas as ilustrações que obtive como resultados. Em questão de poucos meses, tornei a experimentar o DALL-E, já na versão 3, e dessa vez o resultado me agradou.
Decidi começar a fazer clipezines: ilustrar letras de músicas de que gosto com imagens geradas por inteligência artificial. Fiz “Um Lugar do Caralho”, depois “Miss Lexotan 6mg Garota” (ambas de Júpiter Maçã), depois coisas como “Metal Gods” (Judas Priest), “Subterranean Homesick Blues” e “Gotta Serve Somebody” (ambas de Bob Dylan). Aí que decidi entrar em um grupo de ilustradores no Facebook para compartilhar esse trabalho, e foi quando me deparei com o conservadorismo artístico.
“Quem usa inteligência artificial não é artista!”
Eu diria que um quarto dos posts no grupo eram de gente reclamando do uso de IA (“Isso não é nem arte!”) e desqualificando os que usavam IA (“Quem usa isso nem é artista!”). Achei curioso, porque a reação dos redatores foi correr para ganhar dinheiro em cima daquilo, mas entre os ilustradores o que eu vi foi uma tremenda dor de cotovelo. Eventualmente saí do grupo, porque meus posts foram para moderação, e nenhuma das minhas imagens feitas com IA com o link para os webzines foram aprovados e publicados.
Que irônico: quem usa mesa digitalizadora e Photoshop até pouco tempo nem era considerado artista; quem faz digital art em geral até pouco nem era considerado artista… agora eles enchem a boca para dizer que quem usa inteligência artificial não é artista. Naquele grupo o que mais se diz é que quem usa IA não faz arte, só digita prompts. O que me lembra que nos anos 70 diziam que o Kraftwerk (pioneiros da música eletrônica) não fazia música, que só girava botões.
O conservadorismo artístico é essa resistência ao novo, é esse querer que as coisas continuem sendo para sempre como sempre foram para elas. É uma tendência tão natural do ser humano quanto o conflito de gerações. O discurso é sempre o mesmo “Isso não é arte!”, o que muda é só o alvo: já foi o grafite, já foi o hip hop, já foi a música eletrônica, já foi o videogame, rock, mangá, histórias em quadrinhos… Quando a fotografia se popularizou, os pintores retratistas certamente torceram o nariz dizendo “Isso não é arte!”.
Se você faz algo que as pessoas dizem que não é arte, eu digo que você está fazendo da forma correta. Ao longo de toda a história, ela sempre foi empurrada para frente pelas pessoas que faziam coisas que não eram consideradas artes — porque elas é que expandiram seu conceito, sua percepção, seus horizontes. Se não fosse isso, arte seria um pequenino quadrado, um curralzinho. É provável que ainda estivéssemos rabiscando paredes.
O darwinismo kraftwerkiano
Se você é um desses conservadores artísticos, provavelmente está tão puto com tudo que acabou de ler quanto está com o surgimento da inteligência artificial. O que tenho a dizer é apenas que a arte desenha ciclos e padrões muito claros. Claros e muito parecidos com a teoria da evolução de Darwin, a sobrevivência dos mais aptos. Portanto, você pode escolher entre se adaptar, aprender, evoluir e sobreviver, ou virar um fóssil ressentido dizendo “Nos meus tempos é que era bom!”, e ser extinto. É com você.
Não acredito que a inteligência artificial vá (ou possa) substituir os artistas, mas estou certo de que vai extinguir aqueles que não se adaptarem para a assimilar e se aprimorar.
Quanto a mim, seguirei fazendo webzines e ilustrando letras de músicas com imagens geradas por inteligência artificial. Quer gostem os conservadores artísticos ou não. E quanto mais me disserem que isso não é arte, mais motivado seguirei em frente fazendo, convencido de que estou no caminho certo. Quanto mais ouvir isso, mais convencido estarei de estar no lado certo da história — o lado do Kraftwerk.
E agora, para finalizar, com a palavra, Chico Science: