The Parking Lots lança EP “Rebobine Antes de Devolver”, com 10 minutos de folk rock e desilusão

The Parking Lots lança EP “Rebobine Antes de Devolver”, com 10 minutos de folk rock e desilusão
Capa do EP "Rebobine Antes de Devolver", do The Parking Lots

The Parking Lots é uma banda de São Paulo que mistura punk, folk e indie rock, com melodias desavergonhadamente pop e letras com uma perspectiva introspectiva da vida urbana. 

Recentemente, em 2024, eles lançaram o EP “Rebobine Antes de Devolver”: onde o punk rock ficou na gaveta e o folk foi para o primeiro plano, embalando canções piegas. Não intenciono o sentido pejorativo de piegas, me refiro a algo como um pastiche auto-referente. Como alguém que veste, em pleno 2024, roupas que foram descoladas nos anos 90, mas que hoje são cringe e atraem olhares no metrô. 

Aliás, fica o adendo aos possíveis leitores da geração z: Para assistir filmes na década de 90 você tinha que ou ir ao cinema ou ir a uma locadora para alugar a fita VHS e assistir em casa no Videocassette. Era praxe das locadoras ter a política de que você tinha que rebobinar a fita antes de devolver — quer fosse em consideração ao próximo que alugasse, quer fosse para não pagar uma multa. Daí “Rebobine Antes de Devolver”. De nada.

Agora vamos à parte mais chata da resenha.

O chato do fone de ouvido

Eu recentemente fiquei ainda mais chato ao descobrir que tanto meu celular quanto meu fone de ouvido suportam áudio em ultra HD e dolby atmos (e afins). Este EP, por estar em ultra HD, já ganhou pontos. 

Embora o álbum navegue por gêneros musicais bem antigos, como o folk, a produção não tenta simular uma gravação de Bob Dylan dos anos 70. Ao invés disso, faz uma música antiga com uma produção atual — o antigo se chocando com o atual é uma constante ao longo dos 10 minutos que totalizam as faixas somadas. 

A produção é competente e tem instrumentos bem gravados, principalmente os acústicos. Tudo está bem nítido e separado, bem distribuído entre as frequências grave, média e aguda. Camadas sonoras se entrelaçam sem se embolarem ou confundirem. Tudo soa tão certinho que pode até desagradar a quem curte um folk rock mais cru, com olheiras e a barba por fazer. Como fizeram tanto Bob Dylan quanto Neil Young por meados dos anos 70. Bem… não se pode agradar a todos. 

Agora vamos à parte mais interessante da resenha.

Letras

Se você parar para ouvir as rádios, é provávelm que fatalmente chegue à conclusão que hoje em dia a letra é considerada meramente acessória nas músicas. As palavras são usadas pelo som que ela tem, não pelo sentido que ela forma quando colocada em sequência com outras palavras em específico.

Felizmente para quem ainda dá valor a letras que valem a pena prestar ouvidos, “Rebobine Antes de Devolver” é um desses álbuns. 

Me agradou a forma como, ao longo das três faixas, as letras desenham um sujeito de por volta dos 40 anos, mas com um coração judiado que sente ter o dobro da idade. Esse narrador sem nome tem o coração dos anos 90, mas fala de um disco do Bruce Springsteen dos anos 70 e de coisas do nosso admirável mundo novo, como playlists, stories e notificações no celular. 

E, ao falar dos meios de comunicação WhatsApp e Instagram, é para demonstrar sua alienação em relação a eles. Hoje em dia não ser hábil com esses apps é não ser capaz de se expressar. O que é o amor se não um acordo de mútuas de expressões de afeto? 

Nós, que crescemos e nos formamos como indivíduos na década de 90, fomos crianças no mundo dos nossos pais e adultos no mundo dos nossos filhos. Tivemos a adolescência marcada pelo impacto da mais profunda revolução tecnológica, social, política e econômica que a humanidade já sofreu: a internet. Aprendemos a amar em um mundo que não existe mais, e amar no mundo que agora existe ninguém nos ensinou. 

Nas três músicas temos um eu-lírico com um coração pré-internet que se vê obrigado a aplicativos, celular e essas coisas utilizadas no século XXI para amar. Um coração em busca de um amor analógico na era dos líquidos e voláteis amores digitais — como Neil Young em busca de um heart of gold. Alguém que se desculpa por saber sentir e não saber demonstrar (ou compreender demonstrações de) cyber afeto. 

As três músicas são bem amarradas em termos de coesão, tanto no que as letras dizem quanto na música em si. Com um folk rock bem carregado nas referências anos 70 para lamentar os anos 2020 e relembrar a década de 90. Um busca por refúgio do caos nosso de cada dia no passado.

Faixa-a-faixa

Ela Fuma

Foi a música que mais me agradou, tanto a melodia quanto os hooks. Talvez por ser a música mais upbeat. Há umas passagens de notas que me lembram “Mr. Robinson” (Simon & Garfunkel). Ela me remete também aos rockzinho folk de Raul Seixas, mas mais contemplativo. Em geral, as músicas parecem feitas por alguém mais velho. 

Coração Anos Noventa

Tem uma vibe mais de caras do folk rock que já eram veteranos nos anos 90. É uma letra que não é muito formatada pela métrica, mas que na linha vocal estende uma sílaba aqui e emenda versos ali para comportar a letra. O que ela diz, no entanto, é muito autorreferencial, e pode alienar aos que tiverem uma bagagem cultural diferente do autor; ou que pertença a outra geração. 

Ela Não Vê Mais Meus Stories

Me remete a algo ainda mais veterano, talvez pelo ritmo mais lento e o órgão, que me remete a, tipo, Jovem Guarda e The Animals. Os backing vocals também remetem a algo bem música country tradicional. Confesso que foi a faixa com a qual menos me identifiquei, por ser a que soa mais antiga. Creio que ela tenha entrado mais no território musical da minha mãe do que do meu. 

Para concluir, minha opinião é que se trata de um EP bem feito e inteligentemente coeso. É um álbum conceitual, praticamente. Eu sugiro fortemente que a banda faça um fanzine/webzine, versões ilustradas das letras. Ouvir este álbum é como ler uma HQ indie. É facilmente recomendado a quem curta folk, dê valor a letra e tenha por volta de seus 40 — especialmente os que não se deram lá muito bem no jogo do amor ao longo desses anos. 

Agora vamos ao final da resenha.

Ficha Técnica

“Rebobine Antes Devolver” foi gravado entre julho e outubro de 2023 no Estúdio Grand Wazoo (São Paulo/SP). A produção foi de Antonio Otolav, e a pré-produção foi  de Reginaldo Lincoln com o próprio  Felipe Bueno — guitarrista, vocalista, compositor e letrista da banda.

Completam a formação Eduardo Zampolo (baixo e backing vocals) e Vini Pardinho (bateria).

Seguem abaixo as participações espaciais:

  • Maria Paraguaya (Cigarras): Vocal
  • Reginaldo Lincoln (Vanguart): Bandolim, violão de 12 cordas, violão e backing vocals
  • Zé Mazzei (Forgotten Boys): Auto-harpa, piano e hammond
  • Caio Gregory (Teko Porã): Fiddle
  • Antonio Otolav: Banjo, hammond, guitarra

“Rebobine Antes de Devolver” está disponível no SPOTIFY e todas as outras plataformas de streaming. 


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André Garcia

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