O saudoso perrengue que era descolar um pornô sendo “de menor” nos anos 90
Quem, assim como eu, nasceu entre o final dos anos 70 e meados da década seguinte, pertence à última geração a ter vivido no velho mundo — o mundo dos meus pais; o mundo pré-internet. Naquela época, a relação com praticamente tudo, até mesmo a vida em si, era bastante diferente de como é hoje, no século XXI — o mundo pós-internet. E com a pornografia não foi diferente.
Hoje, com um celular barato e uma conexão meia boca com a internet, você tem acesso 24 horas por dia e sete dias por semana a praticamente todas as fotos e vídeos pornô já produzidos pela humanidade. Para quem era menor de idade nos anos 90, isso soaria como uma utópica ficção científica, porque a realidade era extremamente diferente.
Quem viveu aqueles tempos como um reles menor de idade, certamente lembra muito bem até hoje. Era uma verdadeira odisseia para conseguir uma mísera revistinha pornô.
Revista
Os jornaleiros obviamente não vendiam esse tipo de coisa para crianças e, para piorar, as bandas na época você não entrava. Você tinha que, do lado de fora, apontar para o jornaleiro o que você queria. Se você tivesse um amigo de 18 anos, ele até poderia comprar para você, mas aí você teria que pagar por duas (uma ficava para ele). Nesse caso, o cara sempre tinha um péssimo gosto.
Para descobrir como era uma mulher nua, você acabava tendo que trocar suas HQs preferidas do X-Men ou Homem-Aranha por uma Playboy. Os mais dispostos a sujar as mãos para cometer delitos, poderia mexer no guarda-roupas de um adulto (um tipo, ou algo assim) para roubar uma e torcer para que ele não desse falta.
Filme
Depois que essas revistas perdiam a graça, era preciso recorrer a vídeo. Aí a coisa complicava mais ainda. A Banheira do Gugu no Domingo Legal ou o Concurso da Camiseta Molhada do Sabadão Sertanejo (também apresentado pelo Gugu) quebrava um galho, mas não mais que isso. Na TV aberta, só ficando acordado até de madrugada no sábado para assistir na Bandeirantes o Cine Privé ou Emanuelle — ambos com uma ou outra cena de sexo implícito e um peitinho aqui ou ali.
Bom mesmo era conseguir um filme pornô em VHS, o que era ainda mais difícil do que conseguir uma fotonovela erótica. Aí não tinha HQ do X-Men que desse jeito. Você teria que abrir mão de um de seus cartuchos de Super Nintendo, dar adeus a seu querido Super Mario World que veio com o console.
Mesmo assim, mas difícil que descolar uma fita era conseguir assistir. Afinal de contas, só um burguês safado mirim teria uma TV com video cassette no seu quarto. A grande maioria das famílias só tinha video cassette na sala, ou no quarto dos pais. Aí você teria que ser uma mistura de Ethan Hunt com Matt Murdock, Jack Bauer e Solid Snake.
Ethan Hunt + Matt Murdock + Jack Bauer + Solid Snake
Ethan Hunt porque, quando seus pais saíam de casa, você tinha que pegar a fita no esconderijo, desconectar a antena parabólica e conectar o vídeo. Como se não bastasse, ainda teria que adiantar ou rebobinar a fita até encontrar um momento interessante.
Matt Murdoch porque você tinha que ser capaz de ouvir o som do motor do carro do seu pai assim que ele parasse na frente de casa para não ser surpreendido. Aí, você tinha que ser Jack Bauer para correr contra o tempo e trabalhar sob pressão para desconectar o vídeo, conectar a antena, sintonizar o canal em que estava e apagar todos os vestígios de sua presença.
E, se você esquecesse de tirar a fita do vídeo, teria que ser Solid Snake e abusar de toda sua capacidade de stealth para passar pelos seus pais e sumir com a prova do crime.
CD
No final dos anos 90, já existia pornô em CD, e o pessoal já tinha Playstation na privacidade de seu quarto. Quem veio depois de mim já pegou essa época nutella. Eu peguei foi a época raiz. Mas foi bom, porque a adversidade forja caráter.
Hoje, no século XXI, tudo isso é apenas saudosismo no blog de um trintão caminhando para se tornar um quarentão. O perrengue para assistir um pornôzinho se tornou uma entre tantas das artes perdidas, extintas pela internet. Assim como o código morse.