O prafrentex The Kinks desafiou a caretice sexual da Inglaterra em 1970 com “Lola”
A partir de 1967 — embalados pelos hinos de Bob Dylan, pela psicodelia do “Sgt. Pepper’s” e pelas viagens de ácido — toda a juventude convergiu para o modo de se vestir, de falar, de pensar e de sentir da cultura hippie.
Antes disso, entretanto, no começo daquela década, a primeira geração de roqueiros da Inglaterra se dividia entre os rockers e os mods. Os primeiros vestiam couro, usavam topete feito Elvis e faziam todo o estilo rebelde James Dean; já os segundos eram intelectuais, gostavam de poetas beatniks e de se vestir com termos alinhados. É claro que entre eles não tardou para surgiu uma rivalidade que muitas vezes chegava às vias de fato: os rockers viam os mods como afrescalhados; e por eles eram vistos como trogloditas.
Uma curiosidade é que os Beatles surgiram vestindo couro e usando topetes (como rockers), mas fizeram sucesso usando termos e com corte de cabelo da moda na frança (como os mods).
Entre os grandes representantes do mod estavam o The Who e o The Kinks. Não foi por acaso que ambos estavam entre as maiores inspirações de David Bowie (que foi mod nos anos 60) em 1972 — a era Ziggy Stardust: sua persona mais extravagante, andrógina e libidinosa.
No rock britânico sesssentista tanto Pete Townshend quanto Ray Davies destoavam dos demais em suas composições ao abordar temas como a bissexualidade. Ray superou Pete no quesito prefrentex em 1970 com o hit “Lola”.
Na letra de “Lola” narrador sem nome nos conta que é um jovem franzino e afeminado que numa festa conhece Lola — que “caminha como mulher e fala como homem”. O narrador se derrete ao ser agarrado por ela, e mais ainda quando ela o senta em seu colo e o convida para ir para sua casa.
A seguir vem o middle 8, que precede uma versão mais calma do verso. Chegando na casa de Lola o narrador se entrega de corpo e alma: se joga no chão, fica de joelhos para ela. Para sua própria surpresa, ele descobre que é lá onde ele quer estar para sempre. Gênero e sexualidade para ele é uma massa disforme de confusão.
“Meninas serão meninos, meninos serão meninas
É um mundo misturado, confuso e conflituoso
Exceto por Lola”
A seguir ele, que nunca tinha beijado uma mulher antes, é pego pela mão por Lola, que diz: “Querido garoto, eu vou te fazer homem”.
Com Lola ele se descobriu, se realizou, se aceitou, e foi aceito. Para fechar com chave de ouro, vem o verso mais genialmente ambíguo:
“Eu posso não ser lá o homem, mas másculo do mundo, mas eu sei o que sou e estou feliz de ser homem — e Lola também.”
Mas Lola também o quê? Também está feliz do protagonista ser homem ou ela também é um homem? Isso só Dave Davies poderia responder. Aí a música termina com o refrão cantado em catarse, com os instrumentos mais altos que o vocal, numa deliciosa distensão no estilo “Hey Jude” — óleo essencial de rock inglês.
Um dos maiores sucessos do The Kinks, “Lola” chegou a 2ª posição nas paradas da Inglaterra e na 9ª nos Estados Unidos. Desde então ela se tornou obrigatória tanto nas compilações da banda quanto no repertório de seus shows.
Ela é uma das minhas músicas favoritas — do The Kinks e no geral também. Se você ouve falar dessa banda, mas só conhece “You Really Got Me” (e mesmo assim por causa do Van Halen), esta música é uma ótima porta de entrada para o mundo dos irmãos Davies.
Pode-se dizer que com “Lola” o The Kinks deu a partida em uma trend prafrentex do rock inglês que um quarto de século depois foi dar em Blur usando e abusando de seu cinismo londrino em seu hit bissexual “Girls & Boys”:
“Meninas que querem meninos
Que gostam que os meninos sejam meninas
Que pega menino como se fosse menina
Que pega menina como se fosse menino
Sempre tem que ser alguém que você realmente goste”