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Com o EP “Selva Rock Brasileira” A Olívia dança e fala de gente bicho na selva de pedra

Com o EP “Selva Rock Brasileira” A Olívia dança e fala de gente bicho na selva de pedra
Capa de "Selva Rock Brasileira", EP de A Olívia

A Olívia é uma banda de São Paulo, que possui influências de indie rock internacional e pop rock nacional. Eles debutaram em 2017 com “Jardineiros de Concreto”; entre os singles “Passar em Branco” (2019) e “Quando Você Vem”(2023), lançou o EP “Output” (2020) e sua continuação, “Input” (2022), com letras mais voltadas para a pandemia e o isolamento social.

Este ano, eles surgiram com o projeto Selva Rock Brasileira, aborda a diversidade natural e social, como uma alegoria de comportamentos humanos e instintos selvagens. O conceito e estética estão presentes não só nas músicas como nas artes gráficas, nos clipes, nas redes sociais e até mesmo na produção que a banda levou aos palcos. 

Mais ou menos como feito pelo Pink Floyd com “Animals” (1977) — álbum conceitual inspirado em A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Só que trocando o intelectualismo amargurado de Roger Waters por algo leve e dançante.

Soa arejado e com ar-condicionado

Me chamou atenção em muitos momentos um reverb (tipo aquele eco de sala grande), bem anos 80, tipo Lulu Santos, bem Paralamas. Ora senti isso só nas guitarras, ora senti em tudo. Creio que tenha sido para obter o efeito de ambiência, mas talvez  —, mas… sei lá. Talvez devesse ter sido mais pontual. Certos momentos meus ouvidos pediram uma sonoridade menos de palco e mais de garagem, tipo The Strokes. 

Fora essa escolha, a produção fez um trabalho impressionante. Principalmente ao sobrepor camadas complementares que se combinam numa massa sonora homogênea. Tanto nos momentos mais intensos quanto nos mais introspectivos, está tudo bem certinho. Se está certinho até demais, aí é algo a considerar. 

A mixagem soa como se a banda estivesse em um palco amplo, com ar condicionado. No espectro sonoro, nesse palco mental cada músico está cuidadosamente posicionado nas frequências para manter a clareza de cada instrumento, evitando que embolações gerasse um indesejado efeito indefinido, turvo. Soa bem até sem fone de ouvido, com as caixinhas de som zoadas do meu celular de 2019. 

Essa distribuição espacial com ar entre os instrumentos fez com que meus momentos favoritos tenham sido aqueles que melhor trabalharam o uso do silêncio: “Entre na Água” e “A Balada do Caramelo”. 

Sobre os instrumentos

O teclado está presente na maior parte do tempo, mas quase sempre no segundo plano, fazendo a atmosfera e, em termos de sonoridades, alcançando os galhos altos que as guitarras não alcançam. Mais empenhado na retaguarda do que na linha de frente, é como se fizesse uma função de suporte — como um healer ou um escudeiro.

O baixo é sempre bem competente, e brilha em momentos em que se estende por linhas e fraseados longos e pulsantes — meio Motown. Gosto do baixo fazendo meio que uma melodia dentro da melodia, tipo Paul McCartney. Gostei mais desses momentos do que dos momentos mais protocolares (por mais que sejam competentes).

As guitarras eu gostei mais das partes em que são independentes uma da outra, no estilo Television. Só que ouvi mais as guitarras tocando juntas — a guitarra solo eu geralmente ouvia na hora dos solos. É por isso que não gosto da noção de guitarra base e guitarra solo. Acho mais interessante a ideia de rhythm guitar e lead guitar. A guitarra líder vai além de solar, ela toca menos notas com mais carga, estendendo a guitarra que faz o ritmo. Como o que Angus Young e George Harrison faziam. Era como se eles acrescentassem um eixo z às melodias.

Quanto à bateria, é tão competente e dedicada ao todo que acaba por não se destacar, não chamar atenção para si. Está mais para Charlie Watts do que Keith Moon. 

Sobre  “Entre na Água” e “A Balada do Caramelo”.

A quase exatamente um ano atrás, em agosto de 2023 escrevi uma resenha de “Entre na Água” — então recém-lançado primeiro single de “Selva Rock Brasileira.

Eu defini a faixa como “um som pop, leve, descontraído — uma vibe mais carioca do que paulistana. Seu som é um indie bem produzido que mescla melodias pop pontuadas pelos teclados, pitadas de soul, guitarras à la Talking Heads e vocal suave no estilo Los Hermanos.”

Já “A Balada do Caramelo” depende de como a pessoa lida com folk. Aqueles que sempre pulavam as baladas nos CDs porque não gostam de “musiquinha de violão tipo Oasis” não devem gostar. A mim lembrou o folk slow motion de “Razor Love” (Neil Young) com o indie factor de “This Is a Low” (Blur). 

A letra fala de alguém que cantou sobre várias coisas, menos sobre sua dor — uma dor com gosto de água salgada. Um lugar no passado para o qual ele não quer voltar. Em temos líricos, fiquei com a sensação de ter ouvido uma história pela metade. Sabe quando você viaja na conversa de alguém no metrô, mas a pessoa desce na estação Barra Funda e você fica sem saber se ela pediu demissão ou não?

Uma resolução não é obrigatória, mas aqui senti falta. Talvez se um middle 8 levasse para a parte do “oooh ohhh” com mais catarse (Tipo “With or Without You)… sei lá. 

”With or Without You” não tem uma resolução na letra, é só o cara falando a mesma coisa, mas a explosão da música já resolveu. 

Conclusão

A Olívia partiu de um trabalho duplo com “Output” e “Input” para o caminho oposto: ao invés de um disco duplo, fizeram um EP, algo que pode ser considerado um mini álbum. Me parece que eles preferiram focar toda sua energia, recursos e artilharia em algumas poucas faixas: sem filler, sem gordura, sem enrolação.

David Lee Roth, de saída do Van Halen, em 1985 fez sua estreia em carreira solo com o EP de quatro apenas faixas “Crazy from the Heat”. Na época ele justificou a escolha do formato dizendo que as outras banda lançam álbuns com quatro músicas boas e o resto de enrolação — enquanto ele havia decidido fazer diferente e lançar só o creme.

Em síntese, “Selva Rock Brasileira” é bem produzido, agrada e não ofende (ou transgride). Há até os momentos em que surpreende, como em “Quando Você Vem”, que tem o verso mais roqueiro do EP, mas o refrão me lembrou alguma coisa que eu pensei que fosse um forró tipo Fala Mansa. Mas depois percebi que me lembrava “Sorri, Sou Rei”, do Natiruts. Se isso é bom ou ruim, cabe a quem ler decidir. 

Ouça “Selva Rock Brasileira” no Spotify e demais plataformas de streaming, e siga A Olívia no Instagram.

Recomendo “Entre na Água” e “A Balada do Caramelo”
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André Garcia

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