Com o EP “Terra Brasilis”, Matheus Caster estreia com um folk pop rock gaúcho
Quem nunca ouviu um roqueiro trintão/quarentão dizendo que não surge mais nada de interessante hoje em dia? Provável até que você seja um deles! Contrariando essa máxima, entretanto, Matheus Caster lançou seu EP de estreia, “Terra Brasilis” (2023), combinando folk rock, pop e música regional gaúcha — algo que não se vê por aí todo dia.
O EP tem como grande diferencial romper com o protocolar violão, assumindo a viola como instrumento central. O resultado é um frescor, assim como foi quando Eddie Vedder começou a fazer folk rock introspectivo usando o ukulelê. O resultado é good vibe e contemplativo, com cara de trilha sonora de filme independente. São músicas que quase dispensam um video clipe, porque fazem passar um filme pela sua cabeça.
Suas seis faixas são bastante coesas, compartilhando entre si alguns registros vocais e instrumentais. O que poderia se tornar cansativo se fosse um álbum completo, com uma hora de duração; mas se tratando de um EP de 25 minutos, isso não chega a ser um problema.
São músicas que eu poderia ouvir com meus pais, e todos curtiriam. Isso porque elas são pop — mas não no sentido de apelar a fórmulas fajutas e clichês de fácil aceitação, mas por ser palatável, acessível, agradável.
As letras poderiam ser sintetizadas em “Hoje é o primeiro dia de sua vida”. Elas retratam um olhar para a estrada à frente pelos olhos de um jovem que carrega em sua bolsa o entusiasmo com sua incipiente jornada.
A produção é, ao mesmo tempo, discreta e eficiente. Ela faz um trabalho admirável em ressaltar bem a voz e as linhas vocais em primeiro plano, com a viola vez ou outra se destacando, mas, em geral, jogando para o time.
“Terra Brasilis” é uma estreia com o pé direito, um bom ponto de partida, em que vale a pena prestar atenção. Indico a ouvintes que consigam apreciar música sem guitarra distorcida, bateria porrada e vocal berrado. Resta aguardar e acompanhar o que mais Matheus Caster produzirá ao longo de sua caminhada.
Faixa a faixa
Linha do Tempo
É como uma síntese do álbum, introduz o ouvinte apresentando os principais elementos que serão encontrados nas demais faixas. A melodia atravessa quase toda a música, mas é tocada de forma que vai variando de forma orgânica. Verso e refrão são mais definidos pela melodia vocal do que por uma mudança instrumental.
Medo Bobo
Tem um tom mais melancólico, mais tom menor, com melodias que se estendem, tanto no vocal quanto em seu sutis arranjo de cordas. Não chega a ser uma balada, entretanto, em muito por sua bateria mais roqueira. Só não me agradou o fade-out abrupto no fim.
Sorte
A viola pela primeira vez assume o holofote, trazendo o riff principal, que conduz a faixa. Me lembra os riffs samba-rock de Gilberto Gil, e os momentos mais dançantes de Nando Reis — até pela vocalização após o refrão (cantada em dueto com a viola).
Até Você
Também conduzida pela viola, soa como um sertanejo (no sentido de moda de viola) do interior do Rio Grande do Sul. Considero a faixa mais regionalista, mais gaúcha. A bateria entra depois de um minuto, a princípio mais discreta e rítmica, mas no refrão mais chamativa. Com viradas e golpes nos pratos que quebram a expectativa do ouvinte, como fazia à maestria Neil Peart.
Paz
É a faixa mais roqueira, mais Beatles, com sua batida reta, cadenciada, em 4/4. É pontuada por um riff de viola meio cítara, que me remeteu a George Harrison — impressão comprovada pelo coro de hare krishna. Apesar de ser bem direta, também recorre ao silêncio para arejar e espaçar certos trechos.
Mundão Caba Não
Retorna a um tom mais melancólico, tanto melódica quanto liricamente, com letra sobre solidão, “cabeça cheia” e saudade característicos da vida na estrada. Pois é… nem só de alto astral e otimismo é feita uma jornada.
Ouça “Terra Brasilis”, de Matheus Caster, no Spotify: