A reação do público à polêmica música “Heroin” foi “perturbadora”, segundo Lou Reed
Em 1964, enquanto os Beatles ainda cantavam “Can’t Buy Me Love”, do outro lado do oceano Atlântico, em Nova Iorque, Lou Reed já compunha visceral declaração de amor à heroína em forma de música “Heroin”.
“Heroin” se tornou um dos maiores sucessos não apenas do Velvet Underground, como de toda a longa e prolífica carreira de Lou Reed. Com isso, desde então muito se discutiu se ela não passou dos limites, e contribuiu para que inúmeros jovens tivessem a vida arruinada (ou até mesmo ceifada) pelo vício em heroína.
Conforme publicado pela Far Out Magazine, à revista Creem, em 1971, ele respondeu a essa pergunta:
“Eu concebi aquelas músicas [como ‘I’m waiting for the Man’ e ‘Heroin’] como uma espécie de exorcismo das trevas — ou do lado autodestrutivo — em mim, e esperava que pudessem tocar as pessoas do mesmo jeito. Mas quando vi como as pessoas reagiram a ela, foi perturbador. Porque, tipo, o pessoal chegava para mim e dizia ‘Eu comecei a injetar por causa de ‘Heroin’, e coisas assim. Por um tempo, cheguei a considerar que algumas das minhas músicas pudessem ter contribuído para que todos esses vícios estejam acometendo os jovens hoje em dia. Mas não penso mais assim. É uma coisa horrível demais para se considerar.”
Em entrevista a uma rádio no ano seguinte, Reed relembrou que compôs “Heroin” enquanto trabalhava como compositor para uma pequena gravadora:
“Eu estava trabalhando para uma gravadora como compositor. Eles me trancaram numa sala e disseram ‘Escreva 10 canções de surf rock’, sabe? Eu escrevi ‘Heroin’ e disse ‘Aí, tenho algo aqui pra vocês’. Eles responderam ‘Sem chance algum, sem chance alguma…'”
“É minha esposa, e é minha vida”
Lançada no álbum de estreia do Velvet Underground, de 1967, possui apenas dois acordes que se repetem sem parar ao longo de seus mais de sete minutos. Seu ritmo oscila como uma gangorra entre o arrastado e o acelerado, como se reproduzisse a descarga neurológica de uma dose da droga. Como se não bastasse, ainda há John Cale arrancando gemidos de seu violino como unhas arranhando um quadro negro.
O resultado é ao mesmo tempo belo e horrível; hipnotizante e perturbador. Quando você começa a ouvir, não consegue parar. É como um acidente na beira da estrada ou um cachorro prestes a ser atropelado: você simplesmente não consegue desviar os olhos.
Sua letra começa dizendo “Eu simplesmente não sei para onde estou indo” e termina repetindo “E eu acho que simplesmente não sei”. Nos demais versos lê-se coisas como “Heroína será minha morte / Heroína é minha esposa, e é minha vida”.
Em biografia, Lou Reed revela como foi ser submetido a terapia de choque
A biografia Mate-me Por Favor, de Legs McNeil e Gillian McCain, já em suas primeiras páginas conta que os pais de Lou Reed não toleravam sua homossexualidade e sua busca pela carreira musical em vez de uma profissão tradicional. Eles decidiram tomar medidas drásticas, e uma das recomendações era terapia de choque para “inibir impulsos homossexuais”.
“Enfiam uma coisa pela sua goela abaixo pra que você não engula a língua e colocam os eletrodos na sua cabeça. Nos dias seguintes, por conta dos devastadores efeitos colaterais, você perde a memória e vira um vegetal. Não pode nem ler um livro porque chega na página dezessete e tem que voltar pra primeira página de novo.”
Lou Reed em Mate-me Por Favor
O episódio foi narrado por ele também na música “Kill Your Sons”, do álbum “Sally Can’t Dance” (1974).